terça-feira, 26 de julho de 2011

A ASSOMBRAÇÃO DA CASA DA COLINA







A Assombração da Casa da Colina - Shirley Jackson
The Haunting Of Hill House

    As casas mal- assombradas são, desde os primórdios da literatura, um tema amplamente abordado pelos mais distintos escritores, em épocas diversas. Uma mansão, uma mansarda, um casebre ou um imenso castelo, constituem sempre um cenário ideal para fantasmas, espíritos e eventos sobrenaturais. Uma herança que foi deixada, um refúgio da chuva, uma expedição para estudos, enfim, são alguns dos muitos motivos que levam a personagem, ou um grupo delas, a adentrarem uma casa que todos da vila, da cidade, da região imaginam ser assombrada e da qual passam sempre ao largo, com olhares furtivos, julgando terem visto algo através da vidraça, ou algo balouçando na torre.
    Talvez no cume da montanha desse sub- gênero, encontre-se A Assombração Da Casa Da Colina, de Shirley Jackson. O livro, cujo título original é The Haunting Of Hill House, foi pulbicado pela primeira vez em 1959, nos Estados Unidos, onde desde então vem sendo reeditado regularmente; entretanto, no Brasil teve apenas uma edição de 1983, publicado pela Francisco Alves na cultuada coleção Mestres Do Horror E Da Fantasia, sob a tradução de Edna Jansen de Melo.
    O livro divide opiniões, ao passo que é tido como o melhor romance gótico sobre mansões mal- assombradas por uma parcela dos amantes do gênero, e como uma narrativa enfadonha e comum por outra. "Brilhante", foi a palavra do Saturday Review, o The New Yorker o classificou como "O Clássico Arrepiante do Suspense Sobrenatural, "Uma História de Assombração do Mais Alto Requinte", qualificou o The New York Times.
    A propósito, a história pode receber diversas classificações entre positivas e negativas, mas a menos correta seria "vulgar"; o romance é, sobretudo, incomum. Foge dos padrões literários primevos e modernos e apresenta um estilo ímpar na história das narrativas. O horror é impalpável, psicológico; em nenhum momento há sangue derramado e agressão física, salvo nas vezes em que o sangue é usado para grafar palavras na parede e para encharcar as roupas de uma das personagens. A narrativa segue um rítmo frenético, a ausência de vírgulas onde muitas das vezes eram esperadas, faz o leitor virar a página com uma ávida rapidez. O texto flui em certas ocasiões em uma torrente impetuosa de palavras e expressões que impede a interrupção da leitura sob nenhum pretexto. A linguagem é poética e quase musical, e protagoniza alguns dos momentos mais belos e memoráveis da
moderna ficção, mas nem de longe é das mais complexas e rebuscadas, o que, não obstante, não tira do texto em geral, a intensa e esmerada qualidade literária; o macabro torna-se mais brando e a atmosfera sombria é apenas sugerida, através de expressões pouco usuais dentro do gênero.
    A atmosfera criada pela autora já nos primeiros parágrafos e ganha elementos peculiares através dos medos, apreensões e traumas vividos pela suposta personagem principal, e detalhes pitorescos e sobrenaturais quando Elenanor, a personagem em questão, se dirige para a casa, uma mansão erguida à curva da estrada, envolta em densos arvoredos de frente para as profusas colinas verdejantes. O medo e o horror são ambos psicológicos e emana de dentro das personagens, irradiando em derredor uma aura perturbadora. Os acontecimentos sobrenaturais são poucos mas todos têm um objetivo bem claro e explícito, a disposição da narrativa flui para um final assustador e em toda a história paira uma atmorfera de ambigüidade e de incerteza, deixando no leitor uma impressão suscetível e um
medo que o faz olhar para o canto mergulhado em sombras e certificar-se de quem está segurando sua mão. A narrativa é em terceira pessoa, mas ao longo da história a autora emprega um constante monólogo em primeira pessoa para expressar o pensamento de Eleanor.
    A casa em si é bela e imponente, uma construção consistente e cujos tijolos parecem aderir perfeitamente uns aos outros. Mas por dentro respira um ar de abandono e decadência iminente; à noite ela está sempre imersa na escuridão, os Dudley- os criados- nunca ficam após o escurecer, e a casa fica vazia e quieta. Nas palavras da própria autora, "O silêncio cobre solidamente a madeira e a pedra da Casa da Colina, e o que por lá ande, anda sozinho". Os seus ângulos são confusos, uma linha reta ao término de uma parede parece convergir em outra direção e outro sentido, um ângulo, que deveria ser naturalmente reto, parece inclinar-se a um lado ou outro, conferindo à casa um desequilíbrio estético, que na opinião das personagens, causaria um certo mal- estar, uma predisposição ao sinistro e ao funesto. As portas não possuem um ponto centralizado e o menor ruído ou o mais discreto passo seriam suficientes para elas se fecharem, supostamente sozinhas. A casa parece viver, parece possuir uma consciência e um sentimento próprios, e até um coração; uma barreira glacial, na soleira da porta do quarto das crianças, de onde exala uma corrente de ar frio que pega de surpresa quem quer que passe sob o umbral. As pessoas que a alugavam fugiam já nos primeiros dias, sem dar explicações, para nunca mais voltarem; e a gente da região a tinham como uma casa má e hostil, com relatos arrepiantes ao longo de sua história e mantinham-se sempre à distância, refugiando-se em suas superstições contra a malígna Casa da Colina, que subsistira por oitenta anos desde sua construçao e se sentia sólida o bastante para perdurar por mais oitenta.
    Fora construída por um empressário da industria têxtil, Hugh Crain; cuja mulher morrera sem nunca ter visto a casa por dentro. Suas duas filhas a herdaram após sua morte, e noivados e desapontamentos no amor fizeram com que a irmã mais velha fosse morar na casa, a princípio sózinha e posteriormente com uma dama de companhia. Após a morte da irmã mais velha, que morrera de pneumonia, reclusa na casa, houve uma ação juducial e a
acompanhante herdou a casa. Sucedeu-se então uma extensa série de processos por parte da irmã mais nova, que desejava sobretudo, a casa. A acompanhante a acusou de entrar na casa durante a noite e roubar certos utensílios de valor, depois insistiu que alguém vagava pelos corredores e após um período de tempo foi encontrada pendendo do minarete da torre. Após a sua morte a propriedade passou legalmente aos Sanderson, que eram seus primos, e aqui morria a linhagem dos Crain com relação à casa. Na última vez em que a irmã mais nova fora vista, esta insistia em que nunca houvera invadido a casa, por qualquer razão que fosse. O que costituía talvez o primeiro sinal da verdadeira influência da Casa da Colina.
    A casa permaneceu inabitada durante vinte anos, até que um dia uma expedição foi formada por um certo doutor Montague, constituída deste e de mais três pessoas, Eleanor Vance, uma solteira que acabara de perder a mãe e que se culpava por isso; Theodora, uma jovem que dividia um apartamento com uma amiga e que demonstrava sutis tendências homossexuais e Luke Sanderson que fora admitido pelo doutor apenas por exigência da atual proprietária da Casa da Colina, o que condicionava a realização das experiências do doutor Montague. Todos os seus convidados, com exceção de Luke, foram rigorosamente selecionados, dentre uma extensa lista, por possuírem, ao longo da vida, ao menos um acontecimento sobrenatural ou paranormal.
    Os dias passam na casa da Colina sem que seus habitantes tenham o mínimo contato com o mundo lá de fora, formulando suas dúvidas e fazendo anotações e não tarda para que a casa lhes dê uma resposta. Algo parece percorrer os corredores dando sonoras pancadas nas portas tentando arrombá-las e uma risadinha sarcástica ecoa por entre as paredes da Casa da Colina. Frases são escritas nas paredes às vezes com sangue, destinadas a Eleanor. Uma voz terna e infantil pede ajuda no silêncio da noite e um frio insiste em assolar os acolhedores quartos em determinadas ocasiões. Talvez uma das mais assustadores passagens da narrativa seja uma em que Eleanor julga estar segurando firmemente a mão de theodora. E percebe ao se acenderem as luzes, que esta encontra-se fora de seu alcance.
    Eleanor começa então a centralizar involuntariamente as atenções do grupo e da mansão, e a assombração parece saber seu nome, parece conhecê-la; os fatos começam a aprofundar os visitantes em uma aura de horror e medo e tudo ruma para um final trágico quando a esposa do doutor se junta ao grupo, com sua prancheta e sua ânsia por ajudar algúem ou alguma consciência intranquila que vaga suplicante pela casa. Eleanor, após protagonizar eventos perigosos que colocam em risco sua mente e sua pessoa é enviada de volta para sua casa. À essa altura Eleanor se sente parte da Casa da Colina, ama-a como se fosse seu eterno lar e se recusa a partir. Apela para fatores emocionais, alegando não ter aonde ir. Finalmente é posta dentro de seu carro com sua mala de roupas e "expulsa" da Casa da Colina.   
    O final é surpreendente e remete o leitor a um estado de ânimo plangente, ao mesmo tempo em que o assusta. Enfim o romance certamente agradará aquele que sabe apreciar um horror sutil e que beira o real, que se apresenta de forma psicológica e ambígua; e será ignorado por aqueles que admiram o terror mais fantástico e macabro.
    The Haunting Of Hill House recebeu duas adaptações para o cinema; uma que segue quase à risca a história original, produzida em 1963 em preto e branco pela MGM sob a direção de Robert Wise, com Julie Harris, Claire Bloom, Richard Johnson e Russ Tamblym chamada simplesmente de The Haunting, que no Brasil foi chamada de Desafio do Além; talvez as sombras e a atmosfera criada pelo preto e branco juntamente com a verossimilhança com a narativa original façam dessa versão a mais aclamada e mais aceita entre os fãs da obra. A outra prozudida pela DreamWorks, em 1999 e dirigida por Jan De Bont, com Liam Neeson, Catherine Zeta- Jones, Owen Wilson e Lili Taylor; também intitulada The Haunting e traduzida como A Casa Amaldiçoada. Esta última adulterou um pouco a história e introduziu efeitos especiais em demasia; entretanto, a seu modo, é um bom filme também.

        Por Moisés de Oliveira

2 comentários:

  1. Até que enfim umas resenha digna do livro,o que tenho lido por aí não faz juz ao livro. Creio que o que se passa é que as pessoas se habituaram ao gênero de terror com muito sangue, gritos, como nos filmes. Mas o verdadeiro horror (de que trata o livro) é sempre subentendido, silencioso e opressivo. um abraço.

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    1. Obrigado pela visita e comentário, cara Fabiana. Creio que você também captou a idéia da história. E, acreditando que você possua o livro, parabéns; é uma obra raríssima, guarde-a a sete chaves.
      Abraço.

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